segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

FELICIDADE SER FELIZ

23/12/2009 - 15h14m

Nosso passado costuma ser uma zona de sombra e indefinições. Que pode retornar, de forma súbita e inesperada, tal qual uma incômoda pergunta que ficou sem resposta, ou uma indecisão à qual não se deu forma ou solução. Todo passado é uma caixa lacrada, pedindo para ser aberta, vasculhada, reorganizada. O conteúdo que pesa no passado é a dor, daí o seu empenho em ser aberto, pois há que trazer de volta ao presente o impacto dos traumas vividos e mal elaborados.

Seres atravessados pela angústia, por um passado que oprime, uma pergunta nos ocorre com frequência: o que esperar do amanhã?

E a ideia de felicidade nos acode, pois todos nós ansiamos por ela, como algo que nos pertence por legítimo direito. Contudo, por mais que se busque a felicidade, sinônimo de luz e harmonia, a escuridão continua central em nossa vida – carregamo-la dentro de nós mesmos, na forma de vazio, de vertigem, de pecado original. Muitas vezes, a sensação, difícil, é a de que se chegou à borda, e qualquer passo em falso redundará na queda inexorável: Nada sabemos, a não ser que há uma noite / pura e vazia à nossa espera. Uma noite intocável / além do fogo e do gelo, e de qualquer esperança (Lêdo Ivo).

Todavia, a aventura pessoal, a busca da elaboração dos traumas que nos afligem e sufocam, pode ser extremamente excitante, ainda que desconfortável e dolorosa. A aventura pessoal nos confronta com o teatro do absurdo que é a vida – Os homens morrem e não são felizes. Apegados desesperadamente a uma carne que definha, a um Deus que não existe, entregamo-nos à tarefa de acumular: teres, haveres e atos de crueldade gratuita e arbitrária. Quando não nos arvoramos pela sede de poder em imitações baratas de Deus, um Deus feito à nossa imagem e semelhança.

Não sei quase nada sobre isso, mas acho que aqui nos defrontamos com a psicanálise. Acho que ela pode nos ajudar a resgatar e elaborar o passado traumático, a compreender as novidades que a civilização nos impõe, incluindo a moda, atual e recorrente, de medicalização da existência. A psicanálise, enquanto um discurso de crise, ajuda-nos a refletir sobre a vida e os impasses da existência. Ela nos acena com a cura – a cura enquanto a mencionada e inédita aventura pessoal. E no bojo da psicanálise, nela se sustentando, o discurso literário pode ajudar-nos a mergulhar fundamente na experiência individual, resultante do confronto do eu com o mundo, com o passado traumático, com a banalidade e a transitoriedade da vida.

Com os poetas e a poesia aprendemos a conferir um estatuto singular, quase sublime, ao que é trivial, doméstico, tangível, pois, com palavras cotidianas, os poetas dizem coisas agudas. E, de repente, até a morte pode ser redefinida: de um estado transitório que dá acesso à imortalidade, a morte pode definir-se, antes, pelo seu mistério, pela incerteza que a cerca, pelo silêncio tumular de que se reveste. E então, rendemo-nos à evidência: nossa condição humana não encontra nenhuma explicação final capaz de convencer. O mistério da existência transcende qualquer postulado da razão humana.

Seres de fronteira, habitantes do limite, só nos resta repetir com Nietszche: É preciso ultrapassar o homem, curá-lo de seu grande cansaço. Diante da crueza do real, não basta refugiar-se nos ideais criados, nas quimeras ou nos sonhos delirantes. Há que se proceder à efetuação profunda da própria vontade. Há que se reinventar.

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