quinta-feira, 29 de julho de 2010

mala ou muchila

Algumas vezes me deparei com perguntas do tipo: “Se eu for viajar, devo ir de mala ou mochilão?”. Hoje posso responder a perguntas como essa sem titubear.

O melhor é levar nas costas ou nas mãos aquilo que lhe convém. Não siga um padrão ou um roteiro pelo simples fato de lhe dizerem que é melhor isto ou aquilo. Seja você!

Liberte a sua mente, busque os lugares que lhe agradam e não apenas aqueles classificados em guias como cinco estrelas. Se for bom para você, deite no banco de uma praça e olhe a lua, cante em um palco mesmo sem ter ritmo, dance tango, axé, forró, mesmo sem saber dançar.

O bacana da vida é ser a melhor companhia para você mesmo em qualquer lugar em que estiver. Quando o coração se enche de felicidade sem um motivo específico, ai sim, sugiro que você distribua o melhor sorriso que tem e contagie com a sua alegria aqueles que o cercam (isso de fato acontece).

Não queira ser forte o suficiente para não chorar ou inteligente demais para excluir a possibilidade de rir de você mesmo. Não seja tão apegado às ideias de outras pessoas quando forem de encontro às suas. Tenha a certeza absoluta de que ninguém é melhor ou maior que você (exceto um ser que se encontra lá no alto, mas esse, com toda sua sabedoria, permite que você erre e acerte ao longo de todos os seus segundos).

Uma aventura, para mim, pode não ser aventura para você e vice-versa. Se para você um dia maravilhoso é aquele no qual assiste toda a saga de Star Wars, faça isso mais vezes. Você não precisa viajar só porque eu digo que é fantástico e nem eu preciso assistir Star Wars, mas ambos precisamos nos aventurar...

Então, por fim eu digo, você não precisa especificamente de uma mala ou mochilão, e pode ignorar tudo aquilo que eu disse. Basta fazer aquilo que o agrada, desde que não faça mal a ninguém, se conheça melhor, escolha aquilo que se configure uma aventura para você.

Mala, mochila, Star Wars, banco de praça ou seja lá o que for, seja feliz do seu jeito. E, se for viajar, garanto que o melhor que você traz e leva não se transporta em uma mala ou mochilão, mas sim no peito.

bjks

segunda-feira, 26 de julho de 2010

LITERATURA

Antes, quando meus olhos só viam letras, aprendi geografia, história, matemática, química, física, biologia e a traçar boas linhas com nossa língua portuguesa. Depois, quando comecei a ver as imagens literárias, a realidade exata das disciplinas curriculares passou a ter sentido. E a vida, então, deixou de ser um tédio e passou a ser um jogo, o jogo da contente. E hoje posso sonhar noites de verão e ver primaveras e outonos. Continuo, como profissional das ciências biológicas e humanas, a percorrer átrios e ventrículos; porém, sempre quando me mostram o desenho de um chapéu, digo, com convicção: é apenas uma jiboia que engoliu um elefante.

E, assim, deixando a semente que cada livro trás consigo penetrar no terreno fértil da minha imaginação, descobri que sou eternamente responsável por tudo aquilo que cativo e amo. E dessa forma, os ciúmes que sentia de minha senhora de olhos dissimulados se tornaram memórias póstumas. E quando visitei o país das maravilhas, percebi que por mais fundo que pareça o buraco em que caio constantemente, jamais viajarei ao centro da terra. E do solo sempre me reerguerei, pois sempre há mãos que nos levantam nesta primavera chamada vida.

Não posso, bem sei, dar uma volta ao mundo em oitenta dias. Mas afirmo, com toda certeza, que nesta pequena lira dos meus 4.3 anos, já vi lugares infernais e celestiais, e que este nosso planeta é mesmo uma divina comédia. E dele sempre rio e sempre choro. Sobre esta esfera, quando menina de engenho, aprendi logo na inocência de minha orfandade que todos têm a sua hora e sua vez, todos têm a sua hora de estrela. E que não adiantaria eu atrasar o tempo cinco minutos só para satisfazer o meu instinto de mulata sexuada em uma alcova qualquer. Deveria, sim, olhar no espelho e ver a menina que lá está brincando com o princepe. Mas o reflexo só me permite enxergar o monstro que sou, ainda que me orgulhe do status de doutora; porém incapaz de salvar almas. Na minha casa verde, repleta de mistérios, pacientes de lunetas mágicas vêm em busca de cura. Na verdade, a única coisa de que precisam nestas suas vidas secas são de ondas de alegria, ondas de amor, ondas que preencham os sertões de seus corações.

Não sou uma mulher que calcula, estou mais para um grande mentecapto. Não posso dar aos meus pacientes um cérebro, nem coragem, nem coração. Queria mesmo poder enxergar por trás dos vidros um mundo maravilhoso e mágico como o de Oz, mas os paraísos os quais posso alcançar são todos artificiais.

Saudade da aurora da minha vida, dos tempos em que era caçadora de pipas, que acreditava em ilhas de tesouros, em ilhas perdidas. Recordações do burrinho pedrês e do meu pé de laranja lima. Bom tempo, boitempo.

Hoje, após flutuar nas espumas das letras e de ouvir, verdadeiramente, o recado do morro, que nesta odisseia simboliza Deus, caminho retamente nos traçados tortos da minha imaginação. E não mais leio as letras das páginas que diariamente folheio, pois nada significam. Aprendi o segredo: “é preciso ver com o coração, o essencial é invisível aos olhos”. Não há mais a necessidade de escrever nenhum ensaio sobre a cegueira, pois mesmo na escuridão é possível ver e admirar a ilusão. Leio, agora, as vidas das páginas que diariamente folheio.

E depois de abraçar os relevos, as vegetações; depois de gritar “liberdade ainda que tardia”; após traçar ângulos retos nesta minha geometria torta; enquanto via íons, prótons, neutros e elétrons; descobri na fisiologia de meu ser que a literatura é indispensável. E que não há como padecer de solidão se há um amigo repleto de páginas e letras.

Então, que fique aqui decretado para sempre: não quero ser mais um artista da fome humana, mas, sim, um artista da verossimilhança. Quero ser como os livros, um caminho para o saber, ser uma história sem fim, ser tão... veredas.

bjks

domingo, 25 de julho de 2010

O viver significa aprendizagem constante. Aprendo e apreendo coisas todos os dias. Ninguém neste mundo sabe tudo ou nada tem a aprender. O aprendizado por meio da leitura de um livro, por exemplo, é algo surpreendente. Se for obra-prima, então, pode-se aprender e apreender uma porção de coisas.

Livros como, por exemplo, “Os trabalhadores do mar”, de Victor Hugo; ou “Moby Dick”, de Herman Melville – só para citar dois, pois muitos outros há, evidentemente – são de um aprendizado fora do comum. Quem quiser aprender e apreender ensinamentos sobre baleia, “Moby Dick” é rico em informações do gênero.

Posso aprender e apreender muito no convívio com gentes. Uma pessoa sábia é como um livro aberto do qual jorra sapiência como numa cachoeira. Tive a sorte de conviver com pessoas do mais alto quilate: escritores, jornalistas, poetas etc., mas aprendi muito também com gentes simples, sem tanta instrução, pessoas autodidatas ungidas pela luz divina como porteiros, faxineiras; gentes alfabetizadas e analfabetas também.

É importante fazer “leitura de gente”. Isto eu aprendi com o falecido Leonel Brizola. Não tive nenhuma convivência pessoal com ele. Mas um dia li uma entrevista dele numa revista e em um dos trechos Brizola dizia: “venho de longe, faço leitura de gente”. Quem o conheceu sabe: isto é verdadeiro, pois o homem, inclusive, tinha um discurso convincente, apesar de muitos só terem reconhecido isto depois da morte dele.

Convivo com o meu amigo jornalista Argemiro, e o que dele apreendi pratico hoje ainda ao fazer entrevistas ou reportagens. Com ele andava rumo à Redação do “O Jornal o povo” para ser apresentada como sua substituto, Argemiro me repassou ensinamento basilar para elaborar o texto jornalístico, o “lide”.

Desde então – e lá se vão uns 20 anos . Foi por meio deste novo aprendizado, o de “cronicar”, e graças ao dinamismo da internet.

Recebi dele mensagem por ter lido o meu texto “Confesso que vivi”, título de um poema de Pablo Neruda, do livro “Para nascer nasci”.

“Vann” – ele disse: “É evidente que temos muita vivência em comum, pois afinal nosso habitat foi o mesmo. E ainda há pouco, escrevi um soneto, em que dizia, “Confesso, com meus olhos, eu vivi.

Anexo, envio meu soneto para sua apreciação. Um abraço, Argemiro.

Com a devida autorização de meu amigo Argemiro, publico o soneto, “Olhar de Amor”, abaixo:

“Conheço todas as mulheres que me amaram;/ Ainda que na inocência de minha adolescência; / Pois seus segredos jamais se desviaram / De meus medos, sempre em efervescência./

“Na minha pureza tola, de rapaz menino; / Vi amor desabrochar em seus olhares; / Mas na minha intimidade de menino tímido, / Deixei muitos amores escaparem./Quantas vezes vi uma boca a me declarar, / Coisas de amor, que confesso, queria escutar,/ Sem mover os lábios, apenas com o olhar. /

“Hoje, meus olhos ao sorrirem envelhecidos, / Com as rugas cobertas pelo amor que senti / Confesso; com meus olhos; eu vivi”/.

Nesta oportunidade, aproveito para me dirigir a todos com os quais aprendi a me tornar o que sou. Não que eu seja lá grande coisa. Em primeiro lugar, agradeço a Deus. Agradeço a todas as pessoas com as quais convivi.

E se em meio aos que me leem neste momento tiver alguém da minha convivência no passado ou no presente, por favor, sinta o calor do meu abraço de gratidão, pois com todos aprendi. E apreendi...

Bjks

sábado, 24 de julho de 2010

AS FILHAS DO SILÊNCIO

Em silêncio ou algazarra, as caravanas passam. Um dia, passam. Foi dramático o momento lamento oco das vuvuzelas tristes, substituindo a rápida toada verde e amarela que ameaçava decolar, mesmo com tudo o que dizia "não, não vá, não vai dar" . Nossos cãezinhos sofreram à toa, em pânico com os estrondos. Nossas mulheres continuaram morrendo horrendamente matadas por homens e paixões, algozes. Como o futebol.

O goleiro Bruno pode ter matado a mesma dona da trave aberta de onde saiu um gol-menino, seu. A jovem advogada perdeu a vida à beira de uma represa. A adolescente emerge decomposta das águas que há dias acabava com as esperanças. Elas somem de seus caminhos cotidianos para morrer, em emboscadas. Outras, com histórias menos vistosas, foram encontradas aos pedaços, em malas, em valas. E amanhã tem mais. Se for bonita, comoção maior. Deveria ter sido feito isso, aquilo, um monte de coisas. Morreram porque um dia amaram, e deixaram de amar, ou se libertaram dessas paixões que de tão doentias quase matavam. Suas vidas esmiuçadas agora parecem querer mostrar apenas que elas é que procuravam isso.

Mas essas coisas todas, que não deveriam acontecer, existem. E só porque há leis para nos proteger que não são jamais cumpridas, nem o básico. Às vezes até por serem impossíveis - bonitas no papel, com seus capítulos e parágrafos recheados, mas inexequíveis. Falsa sensação essa a de dormir pensando que te deram algo, que todos se vangloriaram, assinaram leis, posaram para fotos, deram entrevistas. Cada vez menos se acredita, ou melhor, nós, mulheres, Vann, Vanilda,Marias, da Penha, da Lapa, do Grajaú, de Vila Isabel, Copacabana, cada vez acreditamos menos em proteção. Reclamar para quem? Para o Papa? o bispo? De qual igreja? De qual jogo? Quando? Como fantasminha de novela? Quando já não adianta mais nada, já era? Mórrrreu...

Acabo de ler que "em dez anos, dez mulheres foram assassinadas por dia no Brasil. Entre 1997 e 2007, 41.532 mulheres morreram vítimas de homicídio - índice de 4,2 assassinadas por 100 mil habitantes". Índice acima de qualquer padrão, se é que haveria um, a não ser o da desfaçatez e loucura humana - uns subjugando outros. Isso é grave, e o problema da violência doméstica deveria estar em destaque, na boca de quem diz defender a mulher. Mas sempre a preferência é o blábláblá executivo que, de tão geral não faz sentido, ou, de tão específico, só pode estar privilegiando alguém. Nem o boi consegue dormir mais.

Onde estão os poderes?

Há a lei, legislada, e há o juiz, como o de uma partida de futebol, e como tantos os que vimos em campo, muitos vacilando. Ele precisa ver - se ligar, apitar, gritar, dar um piti - para parar o lance e cobrar a falta. Nossa Justiça precisa ter menos ouvidos moucos. Deveria. Inquéritos mal concluídos, investigações desastrosas ou sensacionalistas, falta de preparo dos investigadores, falta de equipamentos modernos de detecção. E chega um caso atrás do outro. Os grotões do país. A descultura nacional que proporciona e aceita a descompostura masculina como sinal de testosterona.

Você sabe que é uma urgência, porque está na sua pele, em tons roxos. Eles protelam. Se não podem, se ninguém pode dar a proteção necessária, que digam logo: Te vira, dá no pé! Some, senão você pode virar croquete de cachorro. Antes que qualquer bandeirinha possa levantar a mão. Compre uma arma. Não saia sem o celular, e o GPS, e sem dizer e registrar onde foi. Contrate um segurança.

Melhor: compre um cachorro. Melhor do que esperar gente.

E aí, meninas, o que acham? Poderíamos chegar a uma sofisticação parecida e treinarmos cachorros para que, com seus faros, eles, lindinhos, pudessem nos ajudar a identificar e afastar homens escrotos de nossas vidas(e por essas e outras que dou mais valor ao meu dog Zeus)! Esses parasitas também devem emitir cheiros diferentes em certas horas de pensamentos maus. Horríveis devem ser esses odores, não perceptíveis pelo nariz de mulheres, especialmente se apaixonadas, especialmente se com filhos, ou se ainda tão jovens que pouco treinadas a identificá-los.

Os cachorros farejam, protegem e fazem muito mais companhia. Saberão lhe confiar mais do seu amor incondicional, mesmo até que você nem os ame tanto. Eles têm sentidos desenvolvidos e mais sensíveis que os nossos. Por isso sofrem tanto mais com o barulho, tanto medo tiveram dos rojões e das vuvuzelas ácidas que descompassaram seus corações recentemente, quando devem ter tentado entrar embaixo de todas as saias, pedindo socorro, sem vergonha de nos parecer frágeis.

Os homens não sabem fazer isso: pedir socorro. Por isso tentam ou matam.

Nós sabemos. Principalmente se for para se defender, ladre, grite. Defenda sua vida. Saia desse mato sem cachorro.

Bjks

terça-feira, 20 de julho de 2010

AMIZADE

Que é bom estar junto dos amigos ninguém duvida. Mas será que refletimos sobre os significados mais profundos da verdadeira amizade? Que sentimento é esse que une pessoas diferentes, que ultrapassa limites e distâncias?

O verdadeiro amigo é alguém com quem podemos expressar nossos sentimentos mais íntimos. Ao mesmo tempo é aquele com quem somos capazes de compartilhar o silêncio sem constrangimento. É a pessoa com quem se deseja estar nos piores e nos melhores momentos. A verdadeira amizade é terapêutica em muitos sentidos, mas não se mantém pela utilidade que venha a ter. Porque chamamos de amigo aquele a quem simplesmente amamos e somos por ele amados. Assim, sem grandes explicações, não cabendo em predefinições.

No laço de amizade queremos ver o outro bem, queremos presenciar seu crescimento, compartilhamos suas dores e alegrias, estamos ao lado. O amigo é aquele que nos aponta o que precisa de cuidados, que nos diz às vezes palavras duras com a intenção de que sejamos pessoas mais plenas. Em outros momentos ele nos traz palavras doces, equilibrando nosso modo duro demais diante de algumas situações. O amigo é aquele que parece sondar o mais profundo em nós, ele vem com seu jeito único e nos apresenta um outro lado. Ou simplesmente cala para que nós possamos ouvir nossas próprias palavras ecoarem. Oferece o ombro, os ouvidos e o coração.

O amigo é aquela pessoa que faz parte de nossa vida, porém não o possuímos. Com ele aprendemos que o outro é como é, aprendemos a aceitar e a amar incondicionalmente. Nesse vínculo vamos aprendendo as relações de paridade, em que não há autoridade a seguir, mas sim respeito a compartilhar. Aprendemos a resolver questões em conjunto, a expor o que sentimos, a perceber melhor quem somos. Com a troca de experiências o humano se revela e percebemos que somos parte de um todo muito maior, que não somos os únicos a sentir, a sofrer, a sorrir.

Nessa relação deixamos de ser mais um na multidão que se espreme nas ruas da cidade. Somos mais que números, registros e letras. Somos pessoa, carregamos uma história. Temos uma testemunha. Ele vê os degraus que subimos, as pedras em que tropeçamos, a hesitação, a coragem. Ele acompanha, oferece seu olhar, a sua opinião ou o necessário apoio. No vínculo de amizade sabemos que a existência do amigo é a garantia de um "Estou aqui", uma frase aparentemente simples, no entanto, permeada de presença e companhia.

Por tudo isso (e por tudo o mais que não cabe em palavras) é que lhe convido a refletir: Você está próximo de seus amigos com a frequência desejada? Você encontra tempo para estar com eles, assim como reserva tempo para outras atividades cotidianas? Ou o amigo deixou de ser parte de seu cotidiano? Passou a integrar o campo do extraordinário só participando de datas marcadas? Precisamos instaurar espaço em nossas vidas para momentos de prazer, de troca, para rir e chorar junto, para escolher promover a participação mútua nos acontecimentos.

Por mais que nasça sem grandes explicações, sem motivos explícitos e declaráveis, a amizade só se mantém quando cultivada. Ela se renova a cada momento de presença. Um telefonema, um encontro mensal, enviar um e-mail, marcar um almoço no meio da semana, sem motivo utilitário além da grande razão: queremos nutrir algo que é especial, queremos ver a amizade florescer, queremos estar junto.

Precisamos encontrar espaço para a vida social, que na origem etimológica da palavra carrega o sentido de associação, de fraternidade, de comunhão entre iguais. Vida social em sua concepção mais ampla, de estar junto dos que são nossos irmãos da alma. Isso faz bem para nosso coração, para o coração amigo e para a amizade que se fortalece - gerando mais e mais frutos.

bjks

quinta-feira, 15 de julho de 2010

domingo, 11 de julho de 2010

ARMADILHAS DO DESTINO

Vivemos uma época marcada a ferro e fogo pelo horror do inusitado, pelas desastradas surpresas que, a cada dia, despencam sobre nossas cabeças. E, sem dúvida, alguns possuem, mais que outros, o inegável talento de transformar o cotidiano em tragédia. Haja vista o caso do goleiro Bruno/Eliza. Todos nós, que acompanhamos a triste história pelos jornais, rádio e televisão, sentimos angústia e apreensão, pois tais casos, que se repetem de tempos em tempos, não raro, terminam em tragédia. Dessa vez não foi diferente. Faltou ao protagonista desse triste e malogrado episódio constatar e admitir que todo caminhar é um caminhar sozinho.

O fato nos leva a tecer indagações, a querer explorar os estranhos e intrincados meandros da mente humana, tantas vezes ambíguos e sombrios. Nosso ambivalente estado de espírito leva-nos a assumir posições conflitantes entre o bem e o mal, num mundo delirante, doentio, marcado pelo sentimento de posse, de domínio sobre o outro, de levar vantagem em tudo.

Dessa forma, o irracional desenha-se diante de nossos olhos atônitos. E nos perguntamos, surpresos: por que as pessoas caem em armadilhas? Por que permitem que seus conflitos pessoais se escancarem publicamente na forma de comportamentos extremos? Como almejar o estável num mundo tão instável? Incapazes de nos reinventar, ficamos todos perdidos, a meio caminho entre a solidão absoluta, que dói, e a necessidade premente de "soprar vida em objetos mortos".

Talvez seja chegado o tempo de aprendermos antigas lições para tentar viver uma vida mais feliz. Nesse sentido, os filósofos podem ser nossos mestres. Eles acreditavam que a filosofia pode "curar" o espírito do homem, proporcionando-lhe aquela felicidade que consiste na paz do espírito e que não depende de posses, quaisquer que sejam, ou de glórias mundanas.

O filósofo Sêneca (4 a.C. – 65 d.C.), que escreveu "Cartas a Lucílio", obra em forma de epístolas em que trata dos mais variados temas, acreditava que a filosofia deve ensinar os homens a viverem, a serem fortes diante do sofrimento e das perdas. E mais: a filosofia deve também preparar o homem para a morte, ensinando-o a não se desesperar diante dela.

Segundo Sêneca, devemos enfrentar as agruras da existência sem esmorecer. É necessário que aprendamos a nos desprender das coisas (bens, glórias, pessoas) para dar valor ao que realmente importa, pois, para o filósofo, nossa felicidade depende única e tão somente da nossa fortaleza de espírito e da nossa coragem frente à vida.

Mas, importa ainda lembrar: a filosofia não está amarrada a uma única escola, ou filósofo. Pensar e sentir a condição humana em seus diferentes desdobramentos não é privilégio de Sêneca, Platão ou Descartes. Psicanalistas, escritores, artistas plásticos, cineastas e tantos outros (incluindo o prezado amigo) têm muito a dizer-nos sobre a condição humana. E uma interação de todas essas ferramentas (a Psicanálise, a Filosofia, o Cinema, a Literatura, a arte em geral) pode iluminar e modificar nossa forma habitual de construir conceitos, ensinando-nos a lidar melhor com a instabilidade do real, facilitando a exposição e a discussão de questões tão caras à humanidade.
Bjks Da Vann

quinta-feira, 8 de julho de 2010

ASSUNTO SÉRIO

Tenho que admitir. Tá certo; acho que poucos gostam de abrir um jornal e ler um assunto sério abordado de maneira mais alegre, mais solta. Enfim, ironizar o cotidiano não deve ser lá coisa que agrade a muita gente. É meu jeito de ver a vida. Podemos sim ser alegres e falar de coisas que importam, sim senhor. Questão de jeito.

Sendo assim, hoje vou falar de coisa séria de maneira séria e não será sobre minha cidade maravilhosa, que está indo dessa para melhor. Sendo assim, vou falar de coisa muito séria mesmo: eleição presidencial. A largada à sucessão do sr. Inácio da Silva foi dada e na ponta, por enquanto, estão seu Serra e dona Dilma. Vamos nesse primeiro momento nos ater ao perfil dos candidatos.

Já repararam como a dona Dilma se parece com aquelas tias chatas? Todo mundo tem uma assim. Brava, mandona, igual professora dos antigos grupos, qualquer deslize e corria a palmatória. Daquelas que nos aniversários sempre te dão uma blusa um número menor do que a sua ou um par de tênis. Isso desde que você tinha 5 anos e queria mesmo era ganhar boneca, autorama, depois Playstation e hoje, no mínimo, um iPod touch da Apple. Qual o quê, lá vem a tal blusa demodê ou par de tênis menor.

O senhor Serra, aos meus olhos, se parece mesmo é com Charles Burns, patrão de Homer Simpson, dono de usina nuclear. Outro tio de dar medo.

Já pensou em noite de tempestade? Raios e trovões. A porta se abre em rangido e entra o tio Serra, rosto intermitentemente iluminado por clarões de coriscos para te contar historinha para dormir? Esparramo de menina(o) a gritar mãe para todos os cantos.

E, por fim, a aparentemente frágil Marina Silva. Sua imagem transmite paz, mas não segurança. É a tia que todos queriam. Sabe história de bicho, de mata. Conhece lendas da floresta e seus presentes seriam sempre os mais esperados. Ninguém canta “Parabéns” antes da tia Marina chegar. Essa aparentemente frágil mulher vai atrapalhar o sono de muita gente e pode até definir quem vai para o segundo turno.

Faltam alguns meses e depende de cada um de nós escolher o tipo de tio ou tia que quer, independentemente do presente de fumaça que cada um vai nos oferecer durante suas campanhas.

Terminando esta séria abordagem, vamos falar mais sério ainda. Outro dia, em conversa com um amigo, ele questionava o nojo, sacrificil de não comer mais carne vermelha depois do assassinato macabro da amante do goleiro Bruno(morta, esquartejada, e jogada para cães), sendo que só resta agora frutos do mar, já caro o ano inteiro, nessa época de frio custa o olho da cara.

Obteve a mais lógica e coerente resposta de um outro amigo: — coê mermão, está na cara, você compra os frutos do mar, se farta um dia e lá se vai seu salário, fica sem comer carne até a reportagem sumir dos noticiarios. Isso é ou não assunto sério? Por falar em assunto serio! Bruno, agora vai jogar no "presidio bangu assassino clube".

bjks

maitê proença

Antes de lerem a carta da Dra. Mafalda Carvalho, Professora Doutora da Universidade de Coimbra, endereçada à Maitê Proença, algumas observações sobre as razões da missivista:

1) Maitê Proença disse no programa “Saia Justa” umas gracinhas sobre a inteligência dos portugueses. Fez comentários descabidos sobre a História de Portugal, sobre tradições portuguesas que ela desconhece, sobre o estuário do Rio Tejo, reduziu Sintra a uma vilazinha, criticou e ridicularizou o atendimento a seu PC pelo pessoal do hotel onde estava hospedada... e por aí afora.

2) O programa passa em Portugal e causou um grande mal estar lá na “terrinha”. Quando foi execrada pelos portugueses, no seu pedido de desculpas ainda disse que o povo Português não tem senso de humor. Que foi “apenas” uma brincadeirinha.

3) É o que dá quando a pessoa fala sem conhecimento de causa. Esta professora portuguesa além de escrever muito bem, acabou com a Maitê Proença e de quebra, com os nossos representantes em Brasília, protagonistas de um vasto anedotário.

4) Leia até o fim, pois a postura da Professora é excelente e nós..... temos que ficar caladinhos.. ..

5) É isso que dá, alguém despreparado emitir conceitos sobre assuntos que não domina, com apoio dos alienados das redes de TV Brasileira, que se consideram o máximo em cultura ..

6) E temos que engolir calados e com humildade o desabafo dessa senhora portuguesa, generalizando e nivelando todos os brasileiros. Mesmo porque ela não diz nenhuma inverdade.

7) A que ponto chegamos! Não temos mais nem o direito de nos indignar. Pobre Brasil! É o declínio moral de uma Nação.

A CARTA, NA ÍNTEGRA:

Exma. Senhora,

Foi com indignação que vi a ‘peça cómica’ que fez em Portugal e passou no programa Saia Justa em que participa. Não que me espante que o tenha feito – está à altura da imagem que há muito tenho de si, pelo que me tem sido dado ver pelos seus desempenhos – mas sim pelo facto da TV Globo ter permitido que tal ignorância fosse para o ar.

Só para que possa, se conseguir, ficar um pouco mais esclarecida:

A ‘vilazinha’ de Sintra é património da Humanidade, classificada pela Unesco e unanimemente reconhecida como uma das mais belas e bem preservadas cidades históricas do mundo;

Em Portugal, onde existem pessoas que olham para o mouse do seu computador como se de uma capivara se tratasse, foi onde foi inventado o serviço pré-pago de telefones móveis (os celulares) – não existia nenhum no mundo que sequer se aproximasse e foi também o que inventou o sistema de passagem nas portagens (pedagios, se preferir), sem ter que parar – quando passar por alguma, sem ter que ficar na fila, lembre-se que deve isso aos portugueses.

É um dos países do Mundo com maior taxa de penetração de computadores e serviços de internet em ambiente doméstico. É o único país do mundo onde todas as crianças que frequentam a escola têm acesso directo a um computador (no próprio estabelecimento de ensino) – e em Portugal todas as crianças vão à escola... Muitas delas até têm um computador próprio, para seu uso exclusivo, oferecido ou parcialmente financiado pelo Ministério da Educação – já ouviu falar do Magalhães? É natural que não... mas saiba que é uma criação nossa, que está a ser adquirida por outros países.

Recomendo-o vivamente – é muito simples e adequado para quem tem poucos conhecimentos de informática.

Somos tão inovadores em matéria de utilização de tecnologia informática e web nas escolas, que o nosso caso foi recomendado por especialistas americanos, como exemplo a seguir, a Barack Obama, que é só o Presidente dos Estados Unidos – ao Sr. Lula da Silva tal não seria oportuno, porque ele considera que a Escola não é determinante no sucesso das pessoas (e, no Brasil, a julgar pelo próprio, tem toda a razão).

A internet à velocidade de 1 Mega, em Portugal há muito que é considerada obsoleta – eu percebo que não entenda porquê, porque no Brasil é hoje anunciada como o grande factor diferenciador a transmissão por cabo que já não nos interessa. Já estamos noutra – estamos entre os países do mundo com a rede de fibra óptica mais desenvolvida. E nesse contexto 1 Mega é mesmo uma brincadeira.

O ditador a que se refere – o Salazar – governou, infelizmente, ‘mais de 20 anos’, mas para a próxima, para ser mais precisa, diga que foram 48 (infelizmente, é mais do dobro de 20). Ainda assim, e apesar do muito dano que nos causou a sua governação, nós, portugueses, conseguimos em 35 anos reduzir praticamente a zero a taxa de analfabetos e baixar para cifras irrisórias o nível de mortalidade infantil e de mulheres no parto onde estamos entre os melhores do mundo.

Criar uma rede viária que é das mais avançadas do mundo – em Portugal, sem exceder os limites de velocidade e sem correr risco de vida, fazemos 300 km em duas horas e meia (daria tanto jeito que no Brasil também fosse assim!).

Melhorar muito o nível de vida das pessoas, promovendo salários e condições de trabalho condignos. Temos ainda muito para fazer nesta matéria, mas já não temos pessoas fechadas em elevadores, cuja função é apenas carregar no botão do andar pretendido – cada um de nós sabe como fazê-lo e aproveitamos as pessoas para trabalhos mais estimulantes e úteis; também já não temos trabalhadores em regime de escravatura – cada pessoa aqui tem um salário, não trabalha a troco de um prato de comida.

Colocar-nos na vanguarda mundial das energias renováveis, menos poluentes, mais preservadoras do planeta; enquanto uns continuam a escavar petróleo, nós estamos a instalar o maior parque de energia eólica do mundo (é a energia produzida a partir do vento).

Poderia também explicar-lhe quem foi Camões, Fernando Pessoa, etc., cujos túmulos viu no Mosteiro dos Jerónimos, mas eles merecem muito mais.

Ah!, já agora, deixe-me dizer-lhe também que num ponto estou muito de acordo consigo: temos muito pouco sentido de humor. É verdade. Não acharíamos graça nenhuma se tivéssemos deputados a receber mesada para votarem num certo sentido, não nos divertiria muito se encontrassem dirigentes políticos com dinheiro na cueca, não nos faria rir ter senadores a construir palácios megalómanos à conta de sobre-facturação do Estado, não encontramos piada quando os políticos favorecem familiares e usam o seu poder em benefício próprio. Ficaríamos, pelo contrário, tão furiosos, que os colocaríamos na cadeia. Veja só – quanta falta de humor. Mas, pelo contrário, fazem-me rir as sessões plenárias do senado brasileiro. Aqui em Portugal , e estou certa que em toda a Europa, tal daria um excelente programa de humor.

Que estranho, não é?

Para terminar só uma sugestão: deixe o humor para quem no Brasil o sabe fazer com competência (e há humoristas muito bons no Brasil). Como alternativa, não sei o que lhe sugerir, porque ainda não a vi fazer nada que verdadeiramente me indicasse talento...

Peço desculpa por não poder contribuir.

Mafalda Carvalho - Professora Doutora da Universidade de Coimbra

A IMPORTÂNCIA DO CIDADÃO

A recente pressão norte-americana para que o Brasil abandone a mesa de negociações e cerre fileiras com o ocidente contra o Irã, nos chama a atenção para o papel que os EUA andam desempenhando no mundo, a relação do seu Estado com a sociedade yanque e o futuro da economia daquele país.

Nesse sentido, o livro de Tom Holland – Rubicão - torna-se leitura obrigatória nesses tempos. Obrigatória porque Holland busca, a partir da história comparada, aspectos para analisar o papel do Estado norte-americano na geopolítica mundial.

O ponto de partida do autor é o Mundo Antigo, aqui entendido como a Roma Antiga. Para quem não sabe, Roma pertence à chamada Península Itálica, e conviveu, durante boa parte da sua história, com outros povos, notadamente sabinos, volscos, umbros, etc. Mas foi somente com a chegada do povo etrusco, em torno de 800 a.C., que a cidade ganhou ares de grandeza.

O povo etrusco, quando desembarca na Península Itálica, rompe com a tradição gentílica, fortalece o artesanato e o comércio, e eleva a cidade à condição de capital da sua Confederação. Até o ano de 506 a.C. Roma será governada por reis etruscos escolhidos pelos romanos.

Mas a partir desta data, a aproximação da monarquia com os setores populares empurra a elite patrícia (filhos do pai) para um Golpe de Estado. A monarquia cai, é fundada a república, e o senado, antes órgão consultivo, ganha funções executivas. Daí para a expansão foi um passo.

Mas tal expansão não poderia ser feita sem a presença do seu cidadão, ou seja, o pequeno e médio proprietário, já que Roma vivia basicamente da agricultura. Esse cidadão – assidui - tem suas posses protegidas pelo Estado, e numa relação cívica com Roma, se arma em períodos de guerra para defender aquilo que era dele também. Foi dessa forma que o Mundo Antigo começou a conhecer uma das maiores potências de todos os tempos.

As sucessivas guerras de conquista trazem para a cidade uma leva de escravos considerável, e que era renovada sempre a cada nova investida fora dos muros romanos. Como as guerras se tornaram rotina, o assidui é obrigado a abandonar os campos por longos períodos, sendo os mesmos ocupados pela expansão do latifúndio, o seu trabalho substituído pelo braço escravo e a sua conseqüente proletarização. Não restou a esse grupo, senão, o caminho para as cidades, e sua inquietação foi “contida” pela política do pão e circo.

Outro elemento desmotivador para o cidadão romano foi a corrupção observada nos altos escalões do Estado. O butim de guerra quase sempre era dividido entre os generais e a elite patrícia, restando muito pouco para ser distribuído entre aqueles que, de fato, lideravam as frentes de batalha.

Esses dois fatos foram dramáticos para Roma, e, a longo prazo, serviu para embotar o desenvolvimento tecnológico (afinal, o escravo não encontrara motivação para a invenção), e a corrupção desmotivou o cidadão. Algumas tentativas de reforma agrária foram tentadas, sobretudo com os irmãos Graco, na perspectiva de resgatar o assidui, mas todas reprimidas com mão de ferro pela elite patrícia que não conseguia enxergar para além dos seus próprios interesses.

A queda da República e a instituição do Império, já no ano I, não foram suficientes para conter a decadência romana, e as invasões bárbaras, durante séculos, não representou mais do que um detalhe para que toda aquela estrutura viesse a chão.

Dentro de um salto histórico, os Estados Unidos da América foram fundados por rejeitados pela coroa inglesa. Para lá foram, além de protestantes radicais, prostitutas, órfãos, imigrantes de toda sorte, e, compondo a cereja do bolo, alguns empresários que recebiam favores da coroa.

A sua história é mais do que conhecida, daí a nossa desnecessária necessidade em relatá-la. Mas um seu ponto valioso será aqui recuperado. Estamos falando do cidadão norte-americano, ou para usar uma expressão típica daquele país, o branco, protestante e anglo-saxão. É sobre esse elemento que o Estado norte-americano irá se assentar, e será sobre ele, também, que conquistas serão empreendidas. O cinema se fará indústria, a indústria automobilística se agigantará, e o modelo de vida norte americano correrá mundo. A base ideológica de todo esse movimento será a república democrática, e seu fundamento econômico, o liberalismo.

A democracia se apresentará como apanágio a ser exportado, e a competição econômica, referência para aprimorar cada vez mais o modelo sonhado pelos pais fundadores da América. Isso se fará presente em todo o século XX, mas na virada para o XXI, a realidade apontará para um outro caminho.

A democracia dos EUA não convence mais o mundo na medida em que golpes foram apoiados ou estimulados na América Latina; tentativas de soterrar modelos orientais foram denunciadas; ingerências em países soberanos foram duramente criticadas. No campo econômico, a economia norte-americana perde fôlego na medida que os países, não só europeus, mas sobretudos os novos ricos (China, Coréia,) concorrem com produtos de melhor qualidade e preço menor. Até o Brasil desafia o aço norte-americano, com preços e qualidade que nem de longe os yanques podem oferecer. O resultado para isso tudo foi a pressão da sociedade norte-americana para que o Estado intervisse e a protegesse.

O problema da intervenção do Estado na economia é que, assim como a escravidão romana, condena o cidadão norte-americano ao comodismo, erva daninha para o modelo liberal, e que tende, em médio prazo, arrastar todo o país para a caverna da produção tecnológica.

Portanto, não resta aos EUA alternativa senão a de investir em uma melhor formação do seu povo, sob pena de, ao protegê-lo da concorrência internacional, condena-lo, assim como Roma fez com o assidui, a mais pura letargia, mal que tem como sintoma primeiro a estagnação econômica e a falta de motivação para a produção de novas tecnologias.

BJKS

ESPERTEZA

Aquele pecado ele não diz nem a sua mãe, nem ao melhor amigo, nem mesmo ao terapeuta. No seu entender são deslizes pequenos que somem no meio de erros mais graves, mas não conta o que faz. Diante de suas ações, pensa em como seriam no íntimo as outras pessoas, aquelas muito finas, adestradas para se comportarem impecavelmente em público, com uma indiscutível habilidade para usar os talheres. Como agiriam em seus momentos humanos?

Esse homem é educado, faz de conta que cumpre as normas do bem conviver em sociedade, mas se solta além do razoável quando não tem ninguém ou nenhuma câmera olhando. Não acontece propriamente uma transformação do médico em monstro, mas quase. Acha bom sair da linha de observação dos demais, estar livre do olho eletrônico, numa liberdade ampliada.

Enquanto prepara alguma coisa para comer, ouvindo a TV ao longe, toma cerveja, bebe o líquido em grandes goles, arrota, fazendo grandes estrondos que o animam e o fazem rir. Pensa na ex-mulher e em como seria impossível fazer isso sem levar uma dura reprimenda. Em raras ocasiões baixa nele um quase troglodita. Enche a boca e fala sozinho, sem ligar para os fragmentos alimentares voando, fora do alcance da censura alheia. São pecadilhos inocentes.

Dá risada ao pensar numa celebridade com dificuldades intestinais, e também se diverte em ambientes sociais sérios, imaginando as pessoas presentes praticando sexo. O pensamento estranho ao ambiente o distrai em reuniões maçantes. E se regozija nesse prazer. Gosta de estar só para usar o banheiro sem fechar a porta. Sente-se bem longe de convenções e livre para soltar os gases do seu metabolismo. Nada além de um adulto com ideias imaturas.

Usa um produto e depois o devolve, alegando estar com defeito. No mercado conta dúzias de treze ou catorze unidades. Algumas vezes extrapola, vai além da transgressão e flerta com transtornos de conduta. Estaciona em local proibido, passa no sinal fechado, bebe e dirige. Quando recebe um dinheiro a mais, não o devolve. Sente-se bem em desobedecer a normas, algumas atitudes próximas ao delito, mas ainda assim não as imagina como crimes.

Percebe que essas ações erradas estão se tornando um vício. Quer levar vantagem, ganhar mais, não perder nunca, estar à frente dos outros. Ter um pouco mais do que realmente merece. Sabe que isso pode sair do seu controle, mas se sente bem, agindo assim. Nem pensa em evitar esses comportamentos.

Procura escapulir dos impostos. Tem uma alegria infantil em ganhar alguma coisa, mesmo pequena, especialmente quando não é merecida. E justifica-se pensando que é melhor ser considerado esperto do que coitado. Afinal, ninguém sabe muito a seu respeito, não se mostra, e justifica que os certinhos não ganham muito por agirem corretamente.

Entrar sem pagar, levar alguma coisa que não é sua, mas que ninguém irá reparar. Coisas de repartição ou de empresas grandes são um convite a sua mão esperta. Pensa que são migalhas e que sendo assim, que mal há? Tem um milhão, quem vai sentir falta disso? Assim, a sua lógica não o incomoda. Não se reprime e nem sente culpas. Entende ser apenas um modo de viver.

Para esse homem, as suas leis podem ser ampliadas para os demais. Não patenteou seu modus operandi, e assim não liga se outro assume seus hábitos. Encarar, conquistar a mulher alheia, usar de atitudes desleais para roubar uma ideia, utilizar-se dela sem dar os respectivos créditos, fazem parte da sua cartilha. Dar o preço de acordo com a cara do freguês é mais um dos seus expedientes. Também não cumpre prazos e nem mesmo faz os trabalhos combinados. Dar uma de desentendido não faz mal. A lista não termina, e a cada dia há mais novidades.

Aonde isso vai terminar? Avançará cada vez mais no alheio? Algum dia será alcançado pela punição? A psiquiatria poderá ter algumas respostas, ou nenhuma delas. Resumindo: a esperteza comeu o gato; ou o gato comeu a esperteza?

BJKS

segunda-feira, 5 de julho de 2010

OVERDOSE

Resolvi escrever um texto que certamente vai criar polêmica. Podem me arrebentar que aguento o tranco. Mas vale porque favorece à reflexão.

Começo dizendo o seguinte: Vi mais uma vez o filme Cazuza e me deparei com uma coisa estarrecedora. As pessoas estão cultivando ídolos errados. Como podemos cultivar um ídolo como Cazuza? Concordo que suas letras possam ser muito tocantes, mas reverenciar um marginal é, no mínimo, inadmissível. Marginal, sim, pois Cazuza foi uma pessoa que viveu à margem da sociedade, pelo menos uma sociedade que tentamos construir (ao menos eu) com conceitos de certo e errado.

No filme, vi um rapaz mimado, filhinho de papai que nunca precisou trabalhar para conseguir nada, já tinha tudo nas mãos. A mãe vivia para satisfazer as suas vontades e loucuras. O pai preferiu se afastar das suas responsabilidades e deixou a vida correr solta. São esses pais que devemos ter como exemplo? Cazuza só começou a gravar porque o pai era diretor de uma grande gravadora... Existem vários talentos que não são revelados por falta de oportunidade ou por não terem algum conhecido importante. Cazuza era um traficante, como sua mãe revela no livro, admitiu que ele trouxe drogas da Inglaterra, um verdadeiro criminoso. Concordo com o juiz Siro Darlan quando ele diz que a única diferença entre Cazuza e Fernandinho Beira-Mar é que um nasceu na zona Sul do Rio de Janeiro e o outro não.

Fiquei muito preocupado com o culto que fizeram a esse rapaz, principalmente porque muitos adolescentes viram o filme e certamente acreditaram ser normal usar drogas, participar de bacanais, beber até cair e outras coisas. Afinal, foi isso que o filme mostrou. Por que não são feitos filmes de pessoas realmente importantes que tenham algo de bom para essa juventude já tão desorientada? Será que ser correto não dá bilheteria? Como ensina o comercial da Fiat, precisamos rever nossos conceitos, só assim teremos um mundo melhor.

Devo lembrar aos pais que a morte de Cazuza foi conseqüência da educação errônea a que foi submetido. Será que Cazuza teria morrido do mesmo jeito se tivesse tido pais que dissessem NÃO quando necessário?

Lembrem-se, dizer NÃO é a prova mais difícil de amor. Não deixem seus filhos à revelia para que não precisem se arrepender mais tarde. A principal função dos pais é educar. Não se preocupem em ser “amigo” de seus filhos. Eduque-os e mais tarde eles verão que você foi a pessoa que mais os amou e foi, é, e sempre será, o seu melhor amigo, pois amigo não diz SIM sempre.

O principal instrumento do capital para favorecer o consumo é a mídia. Com ela se constrói “heróis” e lucra-se muito com isso. São os “Heróis” do Big Brother, ou os “heróis” fabricados pela indústria cinematográfica ou fonográfica. Os pais que oferecem a seus filhos uma Madona ou Michael Jackson como modelos de heróis a serem imitados ou deixaram de amá-los ou perderam qualquer referência ao que é de fato um Herói. Heróis, contrário do que prega a mídia, são as pessoas honestas que lutam e trabalham todos os dias, apesar dos problemas e de alguns governantes. Heróis são as mães que criam seus filhos às vezes sem a ajuda do companheiro.

Heróis são as crianças que sobrevivem carentes de amor e de afeto, muitas vezes nas ruas. Heróis são pessoas que fazem o bem porque amar a todos indistintamente é o mais nobre sentimento humano. Eu tive um pai, uma mãe e, principalmente, uma avó, que são meus heróis e tenho orgulho em me espelhar neles, pelos princípios e valores que me passaram em palavras, mas principalmente pelo exemplo. Se seu pai ou sua mãe não são modelos de heróis, pegue emprestado um pai herói como Mahatma Ghandi ou Nelson Mandela ou então uma mãe como Madre Tereza de Calcutá. Escolha que tipo de herói você quer seguir: o que morreu de overdose de amor à humanidade ou overdose de drogas? A decisão é sua.

BJKS DA Vann