terça-feira, 2 de dezembro de 2008

TRANSPIRAÇÃO E TALENTO


Manoel Bandeira, em uma de suas obras, confessou que “Itinerário de Pasárgada” foi seu poema de mais longa gestação: quase nove anos!

Pintou-lhe a idéia, em noite insone decorrência de sua tísica famosa. Na hora, começou a rabiscar o texto. Não gostou do que escrevia e desistiu. Rasgou a folha.

Retomou a idéia, tempos depois, e produziu o poema mas não se atreveu a publicá-lo: sua autocrítica gesticulava, irada. Notou falta (ou sobra) de alguma coisa. Reescreveu-o, dezenas de vezes, tirando e pondo, burilando e lustrando forma e conteúdo. Só deu a obra como pronta e acabada quando sentiu que exteriorizara exatamente o que pretendia. Deu no que deu: obra-prima da literatura ocidental.

A propósito, é de bom alvitre dizer que Pasárgada é nome de antiga cidade da Pérsia. Atualmente, é sítio arqueológico, na província de Fars, no Irã. Em Ouro Preto, há república de estudantes com esse nome. O motivo da denominação parece óbvio: o poema do velho Manoel. Ou, mais precisamente, estes versos: “lá terei a mulher que eu quero/na cama que escolherei” e “lá existe método seguro/de evitar concepção”.

Geir Campos, poeta e professor, em antigo livro de intenção didática, também fala da gênese do texto literário, em prosa ou verso. Enfoca, preferencialmente, o “fazer poético” que, no seu modo de pensar, deve ter, como combustível, intensa transpiração. Inspiração e talento, posto que necessários, não devem ser os elementos únicos.

Mestre Geir exemplifica, com soneto famoso: escreveu os quatorze versos e os reescreveu, modificando-os, inúmeras vezes, até chegar à forma definitiva: perfeição!

Ainda sobre Geir Campos: ele costumava dizer que não tinha conhecimento de nenhum texto de qualidade que tivesse sido escrito de uma sentada.

Estou falando isso, leitora, não como indireta a alguém. Faço-o como direta mesmo. E endereçada a alguns amigos que gosta de vangloriar-se, dizendo que escreve “currente calamo”. Confesso, temerariamente, que não vejo mérito nisso. Nem demérito é claro. Confesso, também, que julgo seus textos bons. No entanto, creio que seriam ótimos, se eles se dispusessem a driblar a preguiça e transpirar, pelo menos um pouco.

Carlos Drummond de Andrade, em carta a um aprendiz de poesia, enfatizou este conselho: “Seja humilde”.

Para encerrar, relembro que Virgílio aquele da “Eneida” escreveu e reescreveu sua “Ars Poetica” inúmeras vezes. Quando entendeu que a obra estava concluída, o texto final tinha menos da metade das estrofes da primeira tentativa.

P.S. O aprendiz de poesia de que falei, no penúltimo parágrafo, é um conhecido do meu pai. Li seu livro. Li a carta de Drummond. Achei cabível e pertinente o conselho.


bjks da van

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