quinta-feira, 16 de setembro de 2010

LEGISLAÇÃO

No terceiro dia do mês de dezembro do ano de 2008, o Supremo Tribunal Federal julgou o Habeas Corpus (HC) nº 87.585 e os Recursos Extraordinários (RE) nº 466.343 e 349.703, decidindo que daquele momento em diante seria indevida a prisão civil do chamado depositário infiel, o que originou grandes repercussões e discussões no ramo jurídico.

Antes de adentrar em qualquer menção com relação à matéria, se faz necessário inicialmente trazer o significado jurídico do que seria a figura de um “depositário infiel”, que na verdade trata-se daquele que por sua única vontade se desfaz de um bem cuja posse lhe foi atribuída judicialmente (chamado também de depositário judicial). Há, portanto, a figura do depositário em contratos de depósitos, e o depositário em alienação fiduciária, casos em que este encargo não estaria vinculado à provocação do judiciário.

Assim, têm-se três hipóteses de existência da figura do depositário, todavia, basta desfazerem do bem que se encontra em sua posse para acarretar sua infidelidade, em qualquer dos casos.

Após sucinto esclarecimento, volta-se aos questionamentos da repercussão da decisão da Suprema Corte.

O artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, traz a lição de que “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;”, entretanto, após os julgados acima mencionados, o STF entendeu ser indevida a prisão civil do depositário infiel, considerando a hipótese de prisão apenas pela dívida proveniente da pensão alimentícia.

Tal decisão foi consubstanciada no Tratado Internacional – Convenção Americana de Direitos Humanos, chamado de Pacto de San José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil em 25 de Setembro de 1992, o qual leciona em seu art. 7º,7, que “ninguém poderá ser detido por dívidas” e que “Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.”

Cumpre trazer à tona que várias foram as discussões nesta decisão tomada pelo Supremo, inclusive acerca da hierarquia dos Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil no ordenamento jurídico brasileiro, os quais, doravante, terão status supra-legais, ou seja, estarão abaixo da Constituição e acima das demais normas, mas que aqui despensa maiores delongas por se tratar de matéria estritamente de Direito.

Alguns entendedores e estudiosos aplaudem a decisão da Suprema Corte, compreendendo que o ser humano jamais poderia pagar com a mitigação de sua liberdade por dívidas.

Outros, no mesmo sentido, depreendem que em hipótese alguma a pessoa poderia pagar com o seu corpo por uma dívida contraída em seu nome, haja vista que o nosso ordenamento jurídico permite meios de expropriar bens do devedor para saldar suas dívidas. Como muito bem esclarece um dos maiores defensores da tese adotada pelo Supremo Tribunal Federal, tendo, inclusive, suas obras diversas vezes citadas naquele plenário, o jurista Valério de Oliveira Mazzuoli entende que ao contrair uma dívida a pessoa deve deixar os seus bens como garantia e não o seu corpo.

Todavia, por não ser diferente de outras matérias jurídicas, há correntes de entendimentos que seguem no sentido de combater a decisão do Supremo, esclarecendo que o sistema normativo estaria favorecendo condutas desonrosas cometidas por pessoas eivadas pela má fé.

A exemplo tem-se a alienação fiduciária em que o bem dado como garantia da dívida é o próprio bem financiado que fica em posse do depositário, o qual, agindo em clara má fé, se desfaz deste bem em benefício próprio, o que impossibilita a expropriação do bem dado como garantia por parte do credor. Ademais, vale ressaltar que nessa hipótese tem-se, de igual forma, a má fé daquele que adquire o bem, sabendo ser produto de infidelidade depositária.

Outro exemplo seria de uma pessoa designada pela justiça pela guarda de um determinado bem dado em garantia em uma certa ação na qual este depositário não seja parte do processo. Ocorre que este depositário se desfaz deste bem e, em não havendo outros bens em seu nome, nada poderá ser feito para reaver o prejuízo deixado por sua desditosa atitude.

É sabido que nos tempos atuais várias são as formas de ludibriar a declaração de bens pertencentes a uma pessoa, como no caso em que a propriedade deste bem é conferida a um terceiro que não o real proprietário.

Assim, tem o caso em que um depositário ao se desfazer do bem confiado em sua guarda declara não haver demais formas de efetuar o pagamento do prejuízo deixado e nada mais haverá de ser feito.

Talvez por este ponto de vista a decisão da Suprema Corte pareça favorecer os chamados caloteiros, ou seja, aquela pessoa que tomada pela má-fé traz prejuízos a outros.

Sabe-se, de igual forma, que medidas devem ser pesadas no mento da aplicação de uma sanção, pois, jamais haveria de o Estado ceifar a vida do homem em razão de uma dívida. Todavia, há de se observar que o depositário infiel não é uma pessoa que detenha uma dívida contraída por imprevistos, mas sim um irresponsável que atua de forma desonrosa e dolosa para se enriquecer de forma ilícita.

Vale lembrar que quando se questiona a decisão do STF é para os caloteiros a quem se volta o foco da invalidade da prisão civil, ou seja, aquele que por uma dívida contraída a qual não houve originariamente uma má-fé, mas sim uma imprevisibilidade financeira, não há que se questionar, afinal as normas foram feitas para regular o convívio social, banindo o comportamento que venha contra o interesse dessa sociedade, afinal, raríssimos são aqueles que não viveram um momento financeiro complexo.

Diante da idéia exposta, têm-se as duas faces da decisão que consubstanciada em direitos humanos sob a idéia de que a dívida não deve adentrar no lado físico do ser humano, tem, igualmente, o lado do ser humano que é prejudicado por atitude de má-fé de uma pessoa a quem nada poderá ser feito para reaver seu prejuízo, pois quando a pena pelo descumprimento das regras de convívio social é a mitigação da liberdade, o receio em descumpri-la é evidente, o que impede que ações sejam tomadas em prejuízo daquele que vive nos termos da legislação.

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