sexta-feira, 10 de abril de 2009

EMOÇÃO DA DESCOBERTA - POR DÉLIO PINHEIRO



Délio Pinheiro

Jornalista e acadêmico de Direito
Meu blog: www.deliopinheiro.blogger.com.br

O jornalismo tem me proporcionado grandes momentos profissionais nos últimos anos. O trabalho como assessor de imprensa e mestre de cerimônias fez com que eu apresentasse os pronunciamentos de importantes políticos e outras autoridades, civis e militares. Entre eles o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, e o vice-presidente da República, José Alencar. Este último com um detalhe importante. Quando o apresentei, na condução do cerimonial do sesquicentenário de Montes Claros, ele era o presidente da república em exercício.

Tornar-se presidente em exercício do Brasil sendo vice do Lula não é muito difícil de se conseguir, apresso-me em mencionar, uma vez que temos um presidente que adora viajar para outras nações, sobretudo àquelas de presidentes brancos e de olhos azuis.

Ministros, deputados, senadores, secretários estaduais e outros de igual quilate estão nesta lista extensa. Mas nesta semana tive uma satisfação diferente em um destes eventos, motivada pelo fato de ter escolhido o Direito como meu novo curso superior, e ao qual tenho dedicado meus esforços intelectuais.

A minha amiga e “chefe” Rosangela Silveira me informou, com seu jeito sem rodeios, que tinha um “evento de juízes no fórum” e que era para eu apresentar. Sendo um convite de Rosa, topei na hora, claro.

Só depois fui saber que se tratava de uma reunião da prestigiada Amagis, a Associação dos Magistrados Mineiros, que está completando cinquenta e cinco anos de serviços prestados à justiça brasileira. Na composição da mesa de honra e na platéia teríamos juízes, desembargadores e alguns advogados. Um seleto grupo de nossa justiça mineira. E eu lá, aboletado no parlatório, na condição de mestre de cerimônia, dando conta dessa responsabilidade toda.

Confesso que, quando percebi que eu era um mero estudante do segundo período de Direito em meio a tantas feras, senti um friozinho na alma. Mas me recompus quando me dei conta que minha porção “jornalista profissional” estava pronta para tornar este trabalho mais um numa lista de cerimônias relevantes e inesquecíveis. E foi de fato, mas não sem um pouco de emoção.

A Amagis tomou emprestado o nome de um grande juiz mineiro, hoje desembargador, para alcunhar a seccional do órgão em Montes Claros. E o escolhido foi Tibagy Salles de Oliveira, um personagem jurídico descrito por seus pares como “ícone da justiça”, “fogueira do saber jurídico” e “um dos últimos grandes guerreiros da justiça”. A metáfora da fogueira foi usada depois que a idéia de “chama do saber” pareceu insuficiente para falar desse homem notável, que há quase trinta anos trabalhou na comarca de Montes Claros. Quando aqui esteve os processos de sua vara se acumulavam aos milhares e em pouco tempo ele conseguiu diminuir sensivelmente este número, à base de muito trabalho e disciplina. Portanto uma homenagem das mais justas.

Coube a outro desembargador, o notório José Nepomuceno Silva, o papel de orador oficial da cerimônia. E esta incumbência foi concluída brilhantemente com a fala que, em certa medida, poderia ser de um Ruy Barbosa ou de um Cícero, mas que pertenciam a um senhor de setenta e muitos anos. E este brilhante orador vivia naquele momento uma situação particularmente delicada que, ao final da solenidade, revelou-se emblemática acerca de sua grandeza.

Antes disso, outro fato chamou minha atenção. Coube a um dos diretores regionais da Amagis, o juiz Laílson Braga Baeta Neves, que atua em Montes Claros, ler uma mensagem para o homenageado.

O magistrado, tão sisudo em seu cotidiano, deu lugar a um garoto que se lembrou do dia em que entrou pela primeira vez em um tribunal e viu o juiz Tibagy trabalhar. A atenção dispensada pelo experiente juiz ao então jovem estudante foi decisiva para definir o futuro do menino Laílson que, ao rememorar tais fatos, desfez-se em lágrimas sinceras, que contrastavam com seu rosto rijo e compenetrado. Outros juízes também se emocionaram, talvez por perceberem semelhanças com a história de cada um.

O homenageado, ao final de sua fala, se viu surpreso por não ter chorado naquela noite enquanto desfazia os nós antigos de sua memória, ao se recordar de pessoas e fatos que fizeram sua história até aquele momento, em que seus pares prestavam-lhe tributo.

Quando o presidente da Amagis fez uso da palavra, um fato interessante veio à tona. O juiz Nelson Missias de Morais parabenizou o homenageado e lembrou que, além de Tibagy, estava na mesa de honra outro “ícone da justiça brasileira”, o desembargador José Nepomuceno. Este, segundo Missias, no dia anterior, havia travado mais uma luta contra uma doença devastadora que, em sua impessoalidade, iguala juízes e lavradores diante de sua crueldade, o câncer. E nem mesmo uma sessão de quimioterapia tirara dele o raciocínio arguto e o desejo de homenagear um “irmão e companheiro de pescarias”, revelando mais uma característica de Tibagy.

Quando a cerimônia terminou e minha porção jornalista saiu de cena, eu assumi a minha postura de estudante diante de tantos mestres e pedi, de maneira uma tanto acanhada, para tirar uma foto ao lado da iminente figura do desembargador homenageado. Ele, de imediato, se postou do meu lado e ficamos ombreados, com nossos paletós coincidentemente claros, deixando bastante tênue, pelo menos naquele ínfimo instante do flash, o imenso abismo que nos separa.

E seu lado acessível, tantas vezes mencionado nos discursos, assomou com um oferecimento sincero e espontâneo, que me encheu de alegria: “Escuta rapaz, se você quiser posso te mandar minha autobiografia. De repente você gosta. Ainda tenho alguns exemplares. Você quer?” - perguntou Tibagy.

Claro que quero mestre, e quero mais, quero que todos os meus colegas de curso de Direito consigam fazer carreiras consolidadas na ética e na transparência, quero que a justiça brasileira dê conta dos assombrosos 67 milhões de processos que emperram as varas criminais e cíveis, em todas as instâncias, e quero ser como o senhor. Juiz? Desembargador? Talvez, se assim se encaminharem os desígnios de Deus.

Refiro, sobretudo, a seu caráter e a seu jeito simples, que um dia, no caótico fórum Lafayette em Belo Horizonte, inspirou o garoto Laílson a se tornar magistrado e que teve também a força de atingir-me feito um aríete, abrindo paredes espessas, onde se escondiam objetivos que eu sequer supunha que existissem, e que agora terão a força de conduzir-me na longa e acidentada caminhada do Direito.

Desconfio que seu exemplo Tibagy, continuará inspirando outros tantos jovens, ad eternum.

E quero mais. Quero que o bravo Nepomuceno vença essa batalha e que vocês dois possam curtir suas aposentadorias em meio à gratidão dos amigos, o respeito das famílias e cercados por peixes e mais peixes, graúdos e encantados.

Texto do meu querido amigo DÉLIO PINHEIRO

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