segunda-feira, 8 de novembro de 2010

SEUS OLHOS BATERAM PALMAS PARA OS MEUS...SEUS OLHOS PEDIRAM BIS...É EU TE OLHEI NOVAMENTE



Há olhos e olhares. Sobretudo, há olhares que parecem querer medir a temperatura da nossa alma. São olhares profundos e mágicos, plenos de mensagens subentendidas. Há olhares que deixam marcas vivas e que nos fazem cair em recolhimento e contemplação interior.

Há olhares que nos incitam à guerra - uma guerra contra tudo aquilo que rebaixa homens e mulheres, tornando-os escravos do mundo, escravos dos poderes estabelecidos. Porque, com toda a sua aparente liberdade, o nosso é um tempo de escravidão humana. O homem moderno não tem mais aspirações nem expectativas, nem vontade de potência, no sentido de que nos falava Nietzsche.

O homem de nosso tempo foge de si mesmo, alienado em prazeres sem alegria, que só fazem entorpecê-lo, corrompê-lo. (Qualquer semelhança com a atual corrida pelos cargos de mando na política não será mera coincidência). O homem de hoje tem dificuldade de enfrentar a si mesmo, de ultrapassar-se enquanto humano, de reinventar-se, de propor novos e mais consistentes valores.

O que é fraco, covarde e corrupto, ganha espaço em todos os setores sociais, incluindo o ensino, a educação, cuja pretensão maior é domesticar o homem. O ensino hoje despreza a característica maior do saber - sua problemática - ou seja, o fato de que nenhuma interpretação do mundo e das coisas esgota os diferentes olhares sobre este mundo e estas coisas. Portanto, nenhuma interpretação pode constituir-se em dogma de fé.

O tempo, enquanto senhor da razão, filtra tudo o que engrandece o homem e a vida. Daí a necessidade de aproveitarmos bem o tempo para lapidar o pensamento, torná-lo fecundo. Para tanto, há que alimentá-lo de silêncio, de solidão, de olhares profundos, que perscrutam as aparências, as entrelinhas, o não dito ou o mal dito.

Os olhares mágicos e profundos podem nos levar a descobertas interessantes, incluindo a do estilo que nos é próprio, estilo que marca nossos gestos, nosso itinerário, os riscos que aceitamos correr, nossa solidão, aceita e aproveitada, nossa condição humana. O estilo que nos é próprio fala de nosso apetite pela vida, pela verdade, abre espaço para novos olhares, olhares que filtram o invisível, aquilo que a maioria prefere ignorar, pois, se a informação é perturbadora (haja vista o incômodo que o noticiário da imprensa provoca), o conhecimento o é ainda mais.

O significante olhos/olhar é explorado no romance "Dom Casmurro", de Machado de Assis. As imagens metafóricas que o autor usa para descrever a personagem Capitu passam pela descrição simbólica de seus olhos e olhar: Capitu tem olhos de ressaca, olhos de cigana, olhos oblíquos e dissimulados.

Curiosamente, as imagens usadas para descrever os olhos/olhar de Capitu parecem denunciar aspectos projetivos do personagem Bentinho-Dom Casmurro: seus medos, sua insegurança, seus fantasmas interiores. E o leitor se pergunta: As metáforas que descrevem os olhos/olhar de Capitu, falam de Capitu ou falam da neurose do narrador? De qualquer forma, são metáforas ricas e belas. Elas têm o poder de capturar o leitor em suas malhas. Seduzido pelas palavras do narrador (ou pelos olhos de Capitu), o leitor se põe, ele mesmo, a investigar: Capitu é inocente ou culpada?

De qualquer forma, o fato é que o pobre Bentinho não levou em conta a advertência do escritor russo Nikolai Gogol: "As mulheres... só os seus olhos já são um reino tão incomensurável que um homem, se lá entrar, nunca mais encontrará a saída".

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